sexta-feira, janeiro 31, 2014

Estava Escrito



Admirável criatura,
Abençoado com a beleza dos deuses,
Fruto de desejo e cobiça.
Cercado de iludidas expectadoras
Que enxergam só até onde os olhos alcançam,
Oásis para olhos que só conseguem ver mar de areia.
Senhor de si, dono da razão,
Livre presa das suas escolhas
De tão distante, dentre tantos, escolheu-me
Fez-se luz em meu caminho.
Com olhos de sabedoria, desvendou-me a alma.
Tens magia que encanta todo meu ser,
Seu existir faz até meu olhar sorrir.
És a verdade que encontro na poesia...
És céu estrelado, barulho do mar, música, vinho, silêncio.
E tudo mais que me toca com sensibilidade...
Jardineiro de sonhos
Que me faz voar sem tirar os pés do chão
Como vento da manhã, trouxeste o amor sublime, inocente,
Tão puro que chega a ser comovente.
Amor que parece prece, que acalma, que salva,
Estava Escrito: Amor de outras vidas...
Meu secreto e misterioso mundo particular,
Fiz-me sua, pelo doce prazer de te amar.


Mari Martins (Ponta Grossa - PR)

quarta-feira, janeiro 29, 2014

Poetas




Ai as almas dos poetas
Nas as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!


Florbela Espanca

(08/01/1916)

terça-feira, janeiro 28, 2014

Crônica - Livro: Ferramenta de Liberdade e de Poder



Livro, amado companheiro de tantas noites mal dormidas, fiel guardião dos sonhos de uma criança que desejava ser alguém, oportunidade de adquirir conhecimento, cultura; ensejo para libertar-se das trevas da ignorância pelas asas da educação, único caminho para libertar-se das grades da pobreza e do desamparo social; livro, bote salva-vidas no oceano de competição em que se transformou a vida moderna.

Mas, afinal de contas, o que seria um livro? Segundo a UNESCO livro é uma "publicação impressa, não periódica, que consta de no mínimo 56 páginas, sem contar as capas". Secamente, um livro seria só isso, um produto industrial. Acontece que não podemos resumir como um amontoado de páginas impressas e numeradas aquela que foi uma das mais revolucionárias invenções da história da humanidade: o livro.

Foi o livro que possibilitou que a cultura, o conhecimento transmitido de geração a geração, chegasse até nós. Desta forma, os fatos históricos, as descobertas científicas, os tratados, os códigos, as leis que regem as sociedades, as poesias de nossos antepassados, puderam ser transmitidos e é através do livro que podemos registrar e legar nossas idéias à posteridade, como bem diz o ditado popular: "quem não escreve, não faz história". E eu acrescento: quem não lê não pode ser autor da própria história.

Todavia, o livro não se restringe a apenas ao registro e transmissão de conhecimento. Sua função precípua é a de ser um instrumento não apenas de formação, mas de transformação através do estudo, da educação. É pela educação que os menos afortunados conseguem melhorar sua qualidade de vida. Foi pela educação que o Japão se transformou em uma potência mundial, após ser arrasado na segunda grande guerra, é através da leitura de bons livros que nos tornamos pessoas melhores.

Livros são repositórios de idéias, de questionamentos, de entretenimento, de emoções, de luz, de educação, de paz. Foram os livros e os ideais neles contidos que fomentaram as revoluções que mudaram o mundo, que soergueram pessoas e nações inteiras. É através dos livros que ainda hoje podemos dialogar com as idéias de Platão, Sócrates, Jesus, Isaac Newton, Shakespeare, Rosseau, Fermat, Lavoisier, Tesla, Da Vinci e tantos outros que revolucionaram a vida como a conhecemos.

Sou obviamente suspeito para escrever esta crônica, pois sempre fui um ratão de biblioteca, sou daqueles viciados em livros, apaixonado pelo cheirinho de livro novo, fico intranquilo se estiver lendo um livro e não souber que tem outro, na fila, esperando para ser devorado. Mas, de uma coisa não duvidem: Livro é acima de tudo uma ferramenta de liberdade e de poder. E você meu caro leitor, está se sentido livre e poderoso? Então responda, quantos livros você já leu este ano?



Raimundo Freire.

sexta-feira, janeiro 24, 2014

Meus Oito Anos - Casimiro de Abreu



Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida (...)



Casimiro de Abreu (1839-1860)

terça-feira, janeiro 21, 2014

Pétalas Despetaladas



Pétalas despedaçadas
Pétalas beijadas pelo tempo
Pétalas ao chão, pisadas
Arrancadas pelo vento,
Ainda assim perfumando quem as pisou...
Pétalas ao léu, sem destino
Como noiva que perdera seu véu
Corola majestosa, conjunto de pétalas
Pétalas despetaladas lançadas ao céu
Pétalas açambarcadas por teu verticilo
Pelo teu amor monopolizante
Pelas mãos que as colheram
Sapecando-lhe um beijo cativante
Pétalas que me soaram como avisos
Que esse beijo seria um beijo sem fim
E eu acostumado a roubar sorrisos
Roubei pétalas, ora vejam
Pétalas dentro de mim.

Raimundo Freire

segunda-feira, janeiro 20, 2014

A Verdade Dividida



A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso 
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, janeiro 08, 2014

Poesia em Prosa: Tão Longe Que Estavas Dentro de Mim



Sou imperfeito com todas as qualidades
Que só você vê em mim
Você é perfeita com todos os defeitos
Que só eu não vejo vejo em você
Pobre mortal cheio de sentimentos imortais
Como você diz, tenho que me contentar
Com fragmentos de você
Nenhum amor pode ser acusado de exagerado
Se não se ama em demasia, não é amor
Te amar à distancia, sem nunca te ter visto
Ter saudades do que nunca tive
Me fez perceber que amo mais que deveria
E por te amar, escolhi ficar só
Ó ingrato coração de poeta
Inescrutável e afetuoso
Que escolhe sem me consultar
Que prefere amar sem sentir tesão
Que sentir tesão sem amar você
Quem não sabe do meu coração,
E, só eu sei, me acham louco
Seria amor, se não fosse louco?
Iludidas  pessoas das minhas cercanias
Que me olham sorrindo
Não sorrio por elas, sorrio
Porque fecho os olhos e vejo você
Por isso viajei pra tão longe
Tão longe a ponto de me aproximar
Ainda mais de você!
Tão longe que estavas dentro de mim
Parece até que não haveria amor sem distância
E que proximidade demais pode gerar desamor...
Saiba que eu te namoraria todos os dias
E te possuiria todas as noites
Casaria com teus sorrisos
Sorrisos que fazem minha roupa cair
Casaria com teus abraços
Abraços que me roubam as Leis de Newton
Casaria com teu silêncio
Silêncio tão significativo
Que diz tudo que eu queria ouvir
Pois ha quem fale demais
E não me diga nada
Acharia graça da tua falta de humor
Porque estou farto, cheio de amores vazios
Quero amores loucos pra me sentir normal
Tô cheio de corpo malhado em cabeça oca
Sorriso fácil , porque fútil
Estou cheio de rostos lindos sem nenhum saber
Quero conteúdo, quero a cultura
Quero a poesia, que só encontro em você!


Raimundo Freire

terça-feira, janeiro 07, 2014

Versos de Amor A um Poeta Erótico - Augusto dos Anjos



Parece muito doce aquela cana. 
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda! 
O amor, poeta, é como a cana azeda, 
A toda a boca que o não prova engana. 

Quis saber que era o amor, por experiência, 
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo, 
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, 
Todas as ciências menos esta ciência!

Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo 
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte 
Amas, oposto a mim. Por conseguinte 
Chamas amor aquilo que eu não chamo.

Oposto ideal ao meu ideal conservas. 
Diverso é, pois, o ponto outro de vista 
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta 
Modo de ver, consoante o qual, o observas.

Porque o amor, tal como eu o estou amando, 
É Espírito, é éter, é substância fluida, 
É assim como o ar que a gente pega e cuida, 
Cuida, entretanto, não o estar pegando!

É a transubstanciação de instintos rudes, 
Imponderabilíssima e impalpável, 
Que anda acima da carne miserável 
Como anda a garça acima dos açudes! 

Para reproduzir tal sentimento 
Daqui por diante, atenta a orelha cauta, 
Como Mársias -- o inventor da flauta -- 
Vou inventar também outro instrumento! 

Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo 
Ambiciono, que o idioma em que te eu falo 
Possam todas as línguas decliná-lo 
Possam todos os homens compreendê-lo. 

Para que, enfim, chegando à última calma 
Meu podre coração roto não role, 
Integralmente desfibrado e mole, 
Como um saco vazio dentro d’alma!

Augusto dos Anjos (Eu e outras poesias, L&PM Pocket, p.75)

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